Perdido no meio do Pinhal do Rei, mais propriamente no talhão 281, encontra-se uma enigmática construção, a que o povo chama Pombal do Rei, cuja data de construção e origem se desconhece. A estrutura situa-se no cimo de uma duna a cerca de 113 metros de altitude. A utilidade dessa estrutura baseia-se muito em especulações, pois pouco se sabe sobre o nome e o uso da mesma. As teorias de utilização são várias, desde ter sido um pombal do rei D. Dinis, estrutura para recolha do guano dos pombos, monumento, abrigo para pombos-correio, posto de vigia, etc.
Monumento em Honra dos Guardiões do Pinhal
Arala Pinto relata nos seus livros publicados em 1938 e 1939 o seu desejo de ver erigido um monumento, no alto de um picoto, que serviria para honrar quem de muito fez pela mata-mãe. De acordo com o seu desejo, essa estrutura deveria albergar numerosos bandos de pombos. No mesmo monumento deveria fazer-se a consagração de nomes humildes dos autênticos guardiões desta massa arbórea. Mas este era apenas um desejo daquele que foi administrador do Mata de Leiria entre 1927 e 1957. Mas, que se saiba, a estrutura a que chamamos hoje de Pombal do Rei não contém qualquer inscrição alusiva aos guardiões do Pinhal do Rei e nem tem a grandiosidade habitualmente ostentada em monumentos. Mas, é certo que Arala faz alusão que essa estrutura deveria albergar bandos de pombos. A questão é que parece que a estrutura apelidada de Pombal do Rei já se encontrava construída em 1934, logo não deverá ser a mesma estrutura a que Arala se referia.
Posto de Vigia
Alguns alvitram que esta construção terá sido um dos primeiros postos de vigia a ser instalado na Mata Nacional de Leiria. Esta suposição tem a ver com o facto de parecer ter existido um ponto de vigia (Ponto da Ladeira Grande, ou Ponto Velho), desativado próximo de 1937 e substituído pelo Ponto Novo (talhão 265), perto da zona onde se encontra a estrutura conhecida nos dias de hoje como Pombal do Rei (talhão 281).
Arala (1939) fala no seu livro que o Ponto da Ladeira Grande se situava no talhão 282. Mas é estranho que o mapa de Bernardino Gomes de 1892 não assinale nenhum ponto de vigia no talhão onde se encontra a estrutura, nem no talhão ao lado. É certo que, de acordo com testemunhos de gentes mais antigas, existia nessa zona um ponto de observação. Arala refere em 1939 que os pontos de observação estão construídos nos pontos mais altos do Pinhal. Os valores médios dos pontos mais elevados do Pinhal, são: Ponto do Facho 143 m; Alto dos Picotes 121 m; Pombal do Rei 113 m e Ponto Novo 110 m. Portanto, será lógico pensar que, sendo o local do Pombal do Rei um dos pontos mais altos do Pinhal do Rei, ali tivesse sido construído um posto de vigia.
Mas será o Pombal do Rei o que resta desse posto de vigia? Os pontos de vigia na mata, até cerca de 1883, eram pequenas barracas de madeira com torres anexas, sendo, posteriormente substituídos por ferro e depois por cimento armado. Sendo apenas assinalados, à data de 1939, o Ponto do Facho e da Boavista como construídos em alvenaria. Primeiro, a estrutura do dito Pombal do Rei é em alvenaria, logo não parece fazer parte do conjunto de postos de vigia do Pinhal. Depois, o antigo ponto de vigia é assinalado como sendo no talhão 282. Por tudo isto, não parece plausível que o que resta da estrutura no talhão 281 seja um antigo ponto de vigia.
Pombal
A teoria que parece ter mais lógica é ter sido um abrigo de pombos pois a estrutura tem nichos incrustados nas paredes, próprios para a função de pombal. Apesar de existirem afirmações de que foram introduzidos pombos no Pinhal do Rei em 1936, Arala (em 1939) no capítulo referente às aves existente no Pinhal, não fala de uma introdução deliberada de pombos no Pinhal. Apenas frisa que o pombo bravo encontra-se igualmente na Mata. Mas insiste na necessidade de repovoamento do Pinhal com várias aves, mas não frisa especificamente a introdução controlada do pombo bravo. Alguns pombais era utilizados para recolher “pombinho”, ou guano, como adubo para as terras de cultivo. Quanto à possibilidade de ser um pombal para recolher guano, fornecendo adubo para o Pinhal, é uma teoria sem grande consistência pois seriam necessárias várias centenas de pombais, espalhados pelo Pinhal, para que fizesse sentido a sua utilização para recolha de guano para adubar o Pinhal.
Pombal de Pombos-correio
Tomando como a hipótese mais plausível de a estrutura ter sido um pombal, a possibilidade de ter servido de abrigo de pombos-correio não seria de descartar. De facto, o pombo-correio foi utilizado para comunicações militares desde a antiguidade até, pelo menos ao início do século XX. Eram utilizados pombais fixos e pombais móveis. O pombo-correio, utilizado para fins militares, foi introduzido em Portugal em 1872. Em 1901, a rede de pombais militares era extensa. No entanto, não existia nenhuma alusão (no mapa em anexo) a um possível pombal militar no distrito de Leiria. Mas Arala (1939) faz uma afirmação curiosa: “o guarda florestal, residente em S. Pedro de Moel, possui um bando de pombos-correios que quase se alimentam exclusivamente de penisco que todo o Pinhal lança à terra.” Teria alguma relação?
Cronologia de um “Pombal”
Mas, para que seja possível atestar as várias teorias existentes, seria necessário certificar a data de construção da estrutura pois a mesma viria, certamente, excluir algumas teorias. Por exemplo, Arala, na sua obra de 1938 e 39, excetuando o facto de se referir à vontade de erigir um monumento que deveria albergar bandos de pombos, não faz uma alusão direta à estrutura que hoje conhecemos como Pombal do Rei. Logo, se esta estrutura tivesse sido um pombal real, faria sentido que fosse documentada na sua obra Pinhal do Rei, Vol. I e II. Nesta imagem de 1934, publicada no livro de Gabriel Roldão, não é possível identificar se a estrutura na altura teria utilidade de posto de vigia da matas ou se à data seria um pombal. Mas é percetível que a estrutura já é antiga demonstrando, à época, alguns sinais de degradação.
Casas de Malta e Abrigos na Mata
Mais uma vez, Arala Pinto traz-nos mais alguma luz sobre o Pinhal e os seus mistérios. Neste caso, construções que poderiam ter sido precursoras da estrutura a que hoje chamamos Pombal do Rei. De facto, no seu livro, Arala refere que os vários melhoramentos que se vão fazendo na Mata, resultam em um mais confortável alojamento do pessoal nas Casas de Malta. Diz ainda que as benfeitorias talvez pudessem ser continuadas, com vantagens para todos, com a construção aqui e além de abrigos-cozinhas, com lareiras ao centro. Jornaleiro, lenheiro, caçador, turista e mendigo já não fariam fogueiras furtivas, porque teriam em todas as florestas de Portugal locais próprios e seguros onde se recolheriam contra as agruras do mau tempo. O autor começa este texto a falar do presente (1939), falando de melhorias já existentes com introdução de Casas de Malta, e termina, ainda a projetar o futuro, com a proposta de abrigos para trabalhadores eventuais e viajantes incautos.
As Casas de Malta eram locais que albergavam operários e outros trabalhadores eventuais, habitualmente com poucas condições. Os abrigos-cozinha que Arala desejava ver na Mata seriam mais direcionados para viajantes pontuais, ou seja, pequenos abrigos. A estrutura existente no talhão 281 poderia bem ser o que resta de uma Casa de Malta. No entanto, como estas se direcionavam para um alojamento mais coletivo, não faz sentido pensar que o exíguo interior do Pombal do Rei tivesse tido em tempo essa utilização. Como possibilidade mais forte que justifique a construção da estrutura, seriam os abrigos da floresta, ou abrigos-cozinha, para viajantes pontuais. Só que há uma incongruência que é o facto do Pombal do Rei ter sido construído antes de 1934, quando Arala propõe, em 1939, que se construam tais abrigos.
Reutilização de uma Estrutura Existente
Fosse qual fosse o seu fim, em termos de utilização mais específica, parece não existirem dúvidas de que a sua utilização final poderia ser para albergar aves. Mas teria sido construído de raiz com esse intuito final? Eventualmente, foi um reaproveitamento de uma estrutura existente (casa do posto de vigia, abrigo, etc.). A tese de reaproveitamento da estrutura não parece despropositada pois, se repararmos no interior, os nichos são irregulares, toscos, desorganizados, com pouco aproveitamento para esse fim (apenas 48 nichos) dando a entender que esses nichos foram construídos posteriormente à edificação inicial da estrutura. Como se sabe, os pombais são utilizados como local de reprodução sendo necessário acautelar meios de defesa dos indefesos borrachos. Mas, como é visível na imagem de 1934, na estrutura não existem os beirais ati-predadores habitualmente empregues como soleira de voo e de defesa do pombal. Inclusivamente, a estrutura no seu interior tem uma lareira sinal evidente de que o seu interior foi construído para utilização humana.
Pombal do Rei
Além de se colocar a hipótese de introdução de pombos no Pinhal em 1936, também há quem defenda que os pombos já tinham sido introduzidos no Pinhal pelo rei D. Dinis e que a estrutura serviria para abrigar os pombos do rei. É certo que o pombal também poderia ser um sinal de ostentação de riqueza e poder, sendo um símbolo de estrato social dos nobres. Por exemplo, o Rei D João V tinha pombais (que hoje ainda estão de pé). Mas, sendo um pombal real, certamente seria uma estrutura mais trabalhada, mais caprichada em termos arquitetónicos. Mas, se se tratasse do rei D. Dinis esta estrutura teria cerca de 800 anos.
Por outro lado, é de estranhar que as fontes antigas que falam sobre a história do Pinhal do Rei não façam alusão a uma estrutura no Pinhal com o nome de Pombal do Rei. Só recentemente aparece esta alusão ao Pombal do Rei.
Como já se viu, a estrutura poderá ter sido reaproveitada de uma outra qualquer utilização. Mas, mais uma vez, sendo um pombal real não faria sentido este reaproveitamento.
Mas, e se o nome de Pombal do Rei tivesse apenas a ver com o facto da estrutura, ter sido utilizada como Pombal no… Pinhal do Rei?
Texto: AG. Fotografia: AG, CF, Arquivo.