Foi o Rei D. João V quem, por volta de 1723, tentando resolver o problema da serragem das madeiras, comprou e mandou instalar na Marinha Grande um engenho de serrar movido a vento.

Totalmente construído em madeira por engenheiros holandeses, este inovador engenho de serrar foi montado onde é hoje o Parque Florestal do Engenho e, embora o seu funcionamento estivesse condicionado a vento certo e moderado, trabalhou cerca de 50 anos.

O Regimento de 1751

O Regimento de 1751

O Marquês de Pombal, interessando-se pelo engenho e pela sua segurança, mandou murar todo o recinto e, em 1751, criou o Regimento para o Guarda Mor dos Pinhaes de Leiria e Superintendente da Fábrica da Madeira da Marinha. Este regimento pretendia dar ao Superintendente da Fábrica da Madeira “(…) a forma para o bom governo e arrecadação da Fazenda Real”. Para isso, entre outras coisas, manda “(…) extinguir inteiramente todas, e quaisquer serrarias de mão que haja no Pinhal, ou na Vieira (…)”, o que favorecia o controlo estatal desta actividade, centrando-a no engenho e na Fábrica da Madeira da Marinha. Esta decisão trouxe à Fazenda Real uma redução das despesas, mas para os serradores, que viram acabar os seus postos de trabalho, esta não foi, com certeza, uma boa decisão. No entanto, havendo necessidade de alguma madeira continuar a ser serrada manualmente, por não ser essa operação compatível com o serviço do engenho, o mesmo Regimento dizia: “(…) toda a madeira que for necessário serrar-se por serras de mão, por não abranger o serviço do Moinho, seja serrada dentro dos muros do Engenho, recomendando muito ao Superintendente que não consinta serras de mão em outra alguma parte (…)”.

Por outro lado, acerca do funcionamento do próprio engenho, o mesmo Regimento dizia: “O Superintendente mandará serrar no Engenho toda a casta de madeiras, assim taboas de coberta como meudas, que corresponderem às bitolas das serras do mesmo Engenho, mandando aproveitar os páos, que se acharem cahidos, e espalhados pelo Pinhal, e os que crião cogumelo, e bicadas dos cortes, que se fizerem; Terá particular cuidado, que o Engenho não esteja parado por omissão, ou descuido dos Officiaes, e lhe ordenará o façam trabalhar não só de dia, mas também de noite, quando fizer vento certo, e não houver tormenta (…)

Devido a deficiências no seu mecanismo, este engenho foi destruído em 1774 por um incêndio provocado pelo atrito e nunca mais foi reconstruído.

Acerca deste engenho e do incêndio que o destruiu, o Visconde de Balsemão, na Memoria sobre a descrição física, e económica do lugar da Marinha Grande, e suas vizinhanças, diz, em 1815: “Para a serragem da madeira havia n’outro tempo (além dos Serradores) três Engenhos, que pela sua má construção pouco, ou nenhum proveito davam à Fazenda Real. Hum destes era de vento; porém o seu mechanismo estava tão mal calculado, que além de não poder trabalhar senão com hum só vento, tinha hum tão grande atrito, que se incendiou por si mesmo.”.

Foi devido à existência deste engenho naquele lugar que, ao seu redor, foi nascendo um pequeno povoado que ficou conhecido como: “O Lugar do Engenho”.

Nos dias de hoje, o Engenho é um importante lugar da Freguesia e Concelho da Marinha Grande. O topónimo “Engenho” dá também o nome ao parque florestal onde existiu tal engenho, a uma rua contigua ao parque e ao largo que lhe fica em frente.

O período após o desaparecimento do engenho, cujas referências são escassas, deverá ter sido de continuação da Fábrica da Madeira, com a serragem manual das madeiras do Pinhal do Rei.

Em 1788, Philadelphia Stephens (irmã de Guilherme Stephens) no relato que faz da visita real à Marinha Grande afirma que, a 1 de Julho, depois de uma visita a Leiria, “(…) O Príncipe (D. José) e o seu irmão deixaram Leiria algum tempo antes da Rainha (…) montaram os seus cavalos e foram ver a Fábrica da Madeira (Engenho) e a Floresta, que ficam perto da nossa casa (…)”.

Já depois das Invasões Francesas, que tudo destruíram dentro do recinto do Engenho, havia de novo grande azáfama na Fábrica da Madeira, pois, segundo Brito Aranha, escritor, jornalista e bibliógrafo português, nas Memorias Histórico-Estatisticas de algumas villas e povoações de Portugal, publicadas em 1871, já “(…) Em 1812 esta officina, que então não tinha motor a vapor e em que se compreendia a fábrica resinosa, tinha o seguinte pessoal: 1 administrador, 1 juiz conservador (fiscal), 37 serradores, 29 carpinteiros e 47 pegueiros (trabalhadores que faziam as achas para os fornos do pez). Estavam então no serviço d’ella 140 carros de transporte”. Estes números, de 1812, são também descritos pelo Visconde de Balsemão em 1815, e deverão ter sido a fonte de Brito Aranha, que só escreve em 1871.

Num documento de Abril de 1813 diz-se o seguinte: “Os francezes destruiram inteiramente a Fabrica da Madeira, e só deixaram intactos os seus muros (…). A despeza dos engenhos de serrar Madeira julgo ser piquena, porque existem as suas Ferragens e as rodas necessárias aos sobre dittos Engenhos, podem ser feitas no Arsenal Real da Marinha aonde tudo se faz com munta perfeição.“.

Ora, na primeira parte deste documento, quando se fala da destruição provocada pelos franceses, fala-se, certamente, do que ainda restava das serrações manuais que ainda funcionavam entre os muros da Fábrica da Madeira. Por outro lado, quando se fala na pouca despesa e aparente facilidade de reconstrução dos engenhos de serrar, parece-me estarem já a referir-se aos engenhos de serrar movidos a força hídrica que existiam no interior do Pinhal, Ponte Nova e S. Pedro de Moel.

Acerca da serração situada na Ponte Nova, à beira do ribeiro, sabe-se, por indicação na Planta do Edificado na Ponte Nova, desenhada por Joaquim de Oliveira em 1807, que este engenho foi destruído por um incêndio em 1806. No entanto, há informação de que este engenho terá sido incendiado e destruído novamente durante as Invasões Francesas, o que leva a crer que após o incêndio de 1806 este engenho tenha sido reconstruido. Assim sendo, este documento, de 1813, parece referir-se à sua destruição pelo fogo posto pelos franceses, ficando “as suas Ferragens” que, por serem de ferro, não arderam. E quanto às rodas, creio referirem-se às rodas de pás (tipo azenha) que faziam mover o engenho e que, por serem de madeira, teriam ardido mas que podiam “(…) ser feitas no Arsenal Real da Marinha aonde tudo se faz com munta perfeição.”

Em Agosto do mesmo ano é o próprio D. João VI que, em ofício aos responsáveis do Pinhal, manda que se informe “(…) por esta Secretaria de Estado, com toda a brevidade possível, se seria difícil restabelecer novamente os Engenhos de Serrar, em S. Pedro de Moel, e no interior do Pinhal (Ponte Nova); e a quanto montará esta despeza.”.

Assim, é possível, e isto é apenas uma suposição, que, à data deste documento, e desaparecido já o engenho de serrar movido a energia eólica, a Fábrica da Madeira da Marinha Grande englobasse os serviços descentralizados dos engenhos de serrar movidos a força hídrica instalados no interior do Pinhal do Rei, na Ponte Nova e S. Pedro de Moel.

Depreende-se portanto que, com maior ou menor intensidade, a Fábrica da Madeira continuava a laborar, desconhecendo-se se resistiu até à chegada da máquina a vapor, quando, por volta de 1870, se montou a Serração Mecânica no Engenho. Porém, em 1843, na Memória sobre o Pinhal Nacional de Leiria, suas madeiras e produtos resinosos, de Francisco Maria Pereira da Silva e Caetano Maria Batalha, já não há qualquer referência a esta fábrica, nem aos engenhos de serrar movidos a força hídrica, o que leva a crer que a tentativa de reconstruir tais engenhos não se tenha concretizado e que até a própria Fábrica já não existisse.

Texto: JMG. Fotografia: JMG