Dom Dinis (Lisboa, 9 de outubro de 1261 – Santarém, 7 de janeiro de 1325) foi rei de Portugal de 1279 até à sua morte.  Poucos anos depois da sua subida ao trono (que herdou apenas com 18 anos), Dom Dinis celebrou um contrato de casamento com Isabel, filha de Pedro III de Aragão. O rei tinha, então, 21 anos. A sua jovem noiva tinha 12 anos.

Santa Isabel (ou Isabel de Aragão) (Saragoça, 4 de janeiro de 1271 – Estremoz, 4 de julho de 1336) foi rainha consorte de Portugal de 1282 a 1325.

A história e, sobretudo, a cultura popular atribuem a Dom Dinis e Santa Isabel a criação e o desenvolvimento do Pinhal do Rei. As lendas, os factos e as meias verdades estão de tal forma instituídos na tradição que se torna difícil distinguir a realidade da fantasia. Uma coisa, porém, parece certa: não tivesse Dom Dinis deixado obra feita na região de Leiria e não seria recordado hoje, 700 anos volvidos, com o carinho e admiração que lhe são dedicados. Da mesma forma, a devoção à Rainha Santa Isabel, não teria nascido se a sua personalidade não tivesse marcado a geração daqueles com com ela conviveram.

Os factos

As lendas

A plantação do Pinhal

Regressando do Golfo da Gasconha, um grupo de marinheiros portugueses trouxe consigo lenha e pinhas daquela região. Chegando a Portugal, e intrigados com os pinhões minúsculos que as ditas pinhas apresentavam, mostraram-nas à rainha. Santa Isabel, transportando o penisco no seu regaço, foi até uma clareira junto a São Pedro de Moel e ali lançou as pequenas sementes à areia. Passados meses, as pequenas árvores começaram a brotar. Entusiasmada com o resultado, Isabel mostrou ao rei o resultado do seu trabalho. Dom Dinis, compreendendo o potencial daquelas árvores que cresciam nas dunas, mandou aos marinheiros que trouxessem mais daquelas sementes nas próximas viagens. E, assim, estava dado o primeiro passo para a plantação do Pinhal do Rei.

As camarinhas

Apesar de bom rei, Dom Dinis sempre teve fama de infiel (não seria só fama, a julgar pelos seus bastardos reconhecidos). Na corte, onde os mexericos abundavam, chegou aos ouvidos de Isabel mais um caso amoroso do seu esposo. Dominada pelos ciúmes, pôs-se a rainha a cavalo na tentativa de apanhar os amantes. Chegando a um rochedo, entre o Pinhal e o mar, lá os encontrou. Destroçada, encheram-se-lhe os olhos de lágrimas. E tanto chorou que toda a vegetação em seu redor ficou coberta por pequenas gotas. Assim, no final do verão, os arbustos cobrem-se com estas pequenas bagas brancas, agridoces, em memória das lágrimas da Santa Rainha.

Fonte da Felícia

Quando o príncipe Afonso, depois de se refrescar com as águas de uma fonte no interior do Pinhal, perguntou à sua mãe, a Rainha Santa Isabel, o nome do local, ela terá respondido, “É a fonte da Felícia, meu príncipe!”. Talvez pela felicidade que lhe transmitiu o local, naquele momento de paz e serenidade?

As mamas da rainha

Andando um grupo de homens a preparar o terreno para a plantação do Pinhal, deparam-se com duas grande dunas que lhes dificultam o progresso. Decidem, então inquirir o Rei:
– Alteza, Deveremos aplanar estes montes para a plantação?
– Não! – Responde Dom Dinis. – Olhem como essas dunas, assim juntas, têm a forma de umas mamas de mulher! Não podemos deitar abaixo esta doçura da Natureza!
Correu esta história de boca em boca e, de mamas de mulher, optou o povo por batizá-las como mamas da rainha.

Facto: a cordilheira dunar que atravessa o Pinhal do Rei de norte a sul, a 2,5 km da costa, e na qual se integram as “mamas da rainha”, surgiu apenas algumas décadas antes da última pequena idade do gelo, por volta do ano de 1550 a 1600, numa fase de ventos particularmente intensos. Duzentos anos depois de Dom Dinis.

O Rei Trovador

A Dom Dinis devemos aquela que será, provavelmente, a mais antiga referência literária ao Pinhal do Rei. Talvez seja exagerado, da nossa parte, considerar que as flores do verde pinho de que fala a cantiga se refiram ao nosso Pinhal mas, afinal de contas, se este era o seu Pinhal, porque não cantá-lo?

– Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs conmigo?
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado?
Ai Deus, e u é?

– Vós me preguntades polo voss’amigo
e eu bem vos digo que é san’e vivo.
Ai Deus, e u é?

– Vós me preguntades polo voss’amado
e eu bem vos digo que é viv’e sano.
Ai Deus, e u é?

– E eu bem vos digo que é san’e vivo
e será vosco ant’o prazo saído.
Ai Deus, e u é?

– E eu bem vos digo que é viv’e sano
e será vosc’ant’o prazo passado.
Ai Deus, e u é?

A cantiga, num galaico-português medieval, pode não ser inteiramente compreensível numa primeira leitura. O primeiro conjunto de estrofes revela uma donzela sozinha no Pinhal. Aguarda pela chegada de alguém e, impaciente, pergunta às flores dos pinheiros pelo seu amigo. Na segunda estrofe percebemos que o “amigo” é, afinal, um “amado”. Consoante o tempo vai passando, a impaciência aumenta e a donzela parte já do principio que foi enganada (de amigo passa a amado e de amado a mentiroso!).

Finalmente, no último conjunto de estrofes vem a resposta das árvores. Começam por sossegar a jovem: o seu amigo está vivo e de saúde (ela nunca fez essa pergunta de forma direta mas as velhas e sábias árvores perceberam que era esse o seu receio). Terminam, dizendo-lhe que o “amigo” estará com ela ainda antes da hora marcada. Descobrimos, então,  que a impaciência da donzela não tinha razão de ser. Ele não estava atrasado e tudo não passava de ansiedade e impaciência pela chegada do seu amado.

Uma belíssima versão cantada deste texto pode ser encontrada aqui.

Esta poesia medieval, que poderia ser posta de lado como mera curiosidade, revela algo muito interessante. Desde o século XIII, há 700 anos, portanto, que o Pinhal serve de inspiração a poetas e de refugio a amantes.

Texto: CF. Fotografia: HB, DF.