O Caminho das Tábuas e das Varas

Durante centenas de anos, praticamente até metade do século XIX, os transportes usados no Pinhal do Rei para transportar quaisquer produtos foram os carros de tracção animal, maioritariamente puxados por bois, sendo também muito utilizadas a tracção equina ou asinina. Tudo era feito por veículos de tracção animal, desde as sementeiras até ao escoamento dos produtos do Pinhal, incluindo o transporte das lenhas para a Fábrica dos Vidros ou de madeiras para os portos de embarque, donde seguiam depois por via marítima.

Sendo muito vagarosos, este tipo de transportes levou a que se procurassem formas de transporte mais evoluídas para o escoamento dos produtos do Pinhal.

Sendo usado durante praticamente todo o século XIX o porto na Praia da Vieira, sabe-se que, já em 1840, existia um caminho destinado a facilitar o trajecto entre Pedreanes e os grandes armazéns das Tercenas, na foz do rio Lis. Este caminho ficou conhecido por “Caminho das Tábuas”, por aí se transportarem tábuas para embarcar com destino aos estaleiros de Lisboa.

Mais tarde, provavelmente em 1857, durante a administração de José de Melo Gouveia, partindo da Fábrica Resinosa e da Oficina de Serraria Mecânica no Engenho, aproveitando o Caminho das Tábuas e assentando em estacas enterradas até ao nível do solo, foi construída uma estrutura de grossas varas em sentido longitudinal (tipo carris de comboio), sobre as quais, puxados por bois, circulavam grandes carros com cavas nas rodas para não descarrilarem. Este sistema permitiu aumentar substancialmente o peso das carradas, devido à facilidade de deslocação dos carros no caminho das varas.

Este aumento no peso das carradas estava na razão de 1 para 4, tal como nos é dito no Boletim do Ministério das Obras Públicas, 1860-1865: “(…) uma junta de bois que mal pode conduzir pelos caminhos ordinários do pinhal uma carrada de 40 arrobas, tiram sem dificuldade pelo caminho de varolas uma carga de 160 arrobas (…)”.

Este caminho tinha uma extensão de 15 km e ficou conhecido por Caminho das Varas.

O Caminho-de-ferro Americano

O porto de S. Martinho, tal como outros, encontrava-se limitado na sua normal operacionalidade desde finais do Séc. XVIII devido ao assoreamento, para o qual, além das causas naturais, muito contribuía o velho hábito de deslastrarem os navios dentro do próprio porto. Isto levou a que, em 1817, D. João VI mandasse dar conhecimento, por portaria, à Polícia do Porto de S. Martinho e ao Administrador dos Reais Pinhais de Leiria que, “(…) relativamente aos lastros, visto mostrar a experiência, que pelo intolerável costume de deslastrarem as embarcações dentro do mesmo porto, se acha este quasi entupido, e a não se cohibir hum semelhante abuso, se aniquilaria de todo, tornando-se inúteis os dispendiosos trabalhos, a que se está procedendo para a restauração (…)” do porto. Por outro lado, no mesmo documento, ordenava: “Os lastros de arêa ou terra serão levados nas lanchas das embarcações ou à custa dos respectivos Mestres, ou Arraes, em quaesquer outros barcos, para fora da Barra (…), na distância de trezentas, ou quatrocentas braças do lado do sul, a fim de que as ondas os não arrastem outra vez para dentro da mesma Barra.”.

Como se vê por este documento, no Porto de S. Martinho procedia-se já, por essa altura, a trabalhos para restauração da sua normal operacionalidade.

Em 1853, o Administrador Geral das Matas Porfírio António Caminha, em documento citado por Arala Pinto em 1938, dizia que “(…) Para se poderem extrair do Pinhal de Leiria a maior porção de productos, já foi lembrado a construção de um carril de madeira até ao porto de S. Martinho (…)”. Por outro lado, Porfírio António Caminha lembrava também a falta de transporte marítimo para escoamento dos mesmos produtos a partir dos portos de embarque, “(…) considerando-se o pequeno número de hiates que havia (…)”.

Em finais de 1856, em resposta ao Administrador Geral das Matas, a Direcção Geral do Comércio e Indústria aprovava a construção de dois “hiates” e encarregava o Eng.º Joaquim Simões Margiochi da elaboração do projecto do Caminho-de-ferro Americano. Ainda nesse ano “(…) se expedia ao Administrador Geral o regulamento para a parte administrativa e económica da construção do Caminho de Madeira do Pinhal de Leiria ao porto de S. Martinho (…)”.

Sobre a construção do caminho-de-ferro americano, Brito Aranha, escritor, jornalista e bibliógrafo português, em 1871, dizia: “(…) começou-se em 1859 e concluiu-se em 1864 (…)”. Ora, neste espaço de tempo, estará decerto incluída a primitiva construção feita com carris de madeira que, dada a sua fraca duração, numa renovação ordenada pelo Ministro das Obras Públicas, o Duque de Loulé, foram substituídos por carris de ferro, importados em 1861 de Inglaterra juntamente com material rolante, o que permitiu um melhor deslize.

Por a Real Fábrica dos Vidros se encontrar fechada, por falta de arrendatário, os operários vidreiros tiveram autorização para trabalharem na sua construção.

Este comboio fazia a ligação entre Pedreanes e São Martinho do Porto, numa extensão de 36 km, passando em frente da Real Fábrica dos Vidros e do edifício da Fábrica da Resinagem. Para São Martinho transportava os produtos do Pinhal para embarque e, de retorno, trazia, da Martingança, areia e calcário para a Fábrica dos Vidros e pedra e cal para construção de estradas.

O comboio era constituído por nove vagões de carga, transportando cada um 4500 kg, e um de passageiros. Nas subidas era puxado por bois e nas descidas o seu próprio peso fazia com que se deslocasse por si, por vezes velozmente.

Para além das principais estações, Pedreanes e S. Martinho do Porto, havia também estações na Marinha Grande, Martingança, Valado e Mouchinha, para muda e descanso dos animais.

A circulação deste comboio fazia-se todos os dias úteis da semana. Demorava de Pedreanes a S. Martinho do Porto cerca de seis horas e no sentido inverso oito horas. Deixou de pertencer à Administração das Matas em 1866, passando a pertencer à Direcção das Obras Públicas do Distrito de Leiria.

Os “hiates”, que complementavam o transporte dos produtos do Pinhal a partir de S. Martinho por via marítima, designados “Marinha Grande” e “Valado”, foram vendidos em 1867.

Em 1885, com o início da construção da Linha de Caminho-de-ferro do Oeste, que aproveitou parte do traçado existente, o Comboio Americano foi desactivado.

A estação principal, em Pedreanes, mantém-se em posse do Estado, enquanto a estação de S. Martinho do Porto, há muito propriedade privada, está presentemente em processo de remodelação.

Em 1888 chegariam à Marinha Grande os comboios a vapor.