por António Arala Pinto, Engenheiro Silvicultor

Minhas Senhoras, Meus Senhores:

Quando em 19 de Outubro de 1922 me foi confiada a chefia da 3ª Circunscrição Florestal com sede na Marinha Grande e em cuja área está incluída a célebre mata de pinheiros, conhecida por Pinhal de Leiria, pouco mais sabia duma parte da região onde ia exercer a minha actividade do que aquilo que me tinham dito na escola: O Pinhal de Leiria tinha sido mandado semear pelo nosso Rei D. Denis, no tempo das descobertas, muitas das suas madeiras tinham sido aplicadas na construção naval: no período Pombalino, devido ao excesso de lenhas existentes na mata, o inglês Guilherme Stephens com o empréstimo de 32 contos, sem juros, feito pelo Estado, fundara uma fábrica de vidros na Marinha Grande, depois, em 1863 o insígne silvicultor Bernardino de Barros Gomes fora encarregado de fazer um inventário do arvoredo do Pinhal, estabelecendo o seu ordenamento. Era tudo que pouco mais ou menos sabia ou conhecia da região.

Uma vez no meu lugar oficial, comecei a olhar para o maciço arbóreo do Pinhal de Leiria como quem olha, observa e escuta a fala de uma árvore secular e, quem há que não goste de contemplar uma velha árvore, testemunha viva, ainda que muda, de factos ocorridos no tempo de seus avós e bisavós?

Se, quando pequenos nos podem dizer: – esta árvore foi plantada por teu bisavô paterno, tua avó depois de ter dado nascença a tua mãe, vinha passar as tardes sob o seu coberto e, o teu nascimento, foi comemorado aqui, neste terreiro, com festa rija.

Que me contaria a mim o arvoredo do Pinhal de Leiria que se renova constantemente?

À semelhança de Dante, comecei por ouvir de longe o freixo majestoso de Trancoso, que em surdina me disse: – “Estávamos em Julho de 1282, o Rei Denis ia realizar os seus esponsais, o sol de Junho era escaldante e D. Denis queria que a sua noiva, prestes a chegar de Espanha, fosse recebida por numerosa e vistosa embaixada.

Para Isabel de Aragão foi reservada a minha sombra, a restante comitiva abrigou-se do ardor do sol na mancha que todos os meus irmãos freixos produziam.

Quando apareceu a liteira de Isabel de Aragão, precedida da sua comitiva que a acompanhava desde Barcelona, já Isabel era Esposa do Rei de Portugal e dos Algarves, pois casara naquela cidade por procuração.

Rendida a homenagem e feitas as apresentações, todos os circunstantes notaram a elegância do porte da mulher que já era a sua Rainha. Tinha um rosto lindo e expressão bondosa, tendo D. Denis, como prenda de noivado, feito doação de Trancoso à sua noiva.

Depois, a caravana seguiu e, em dia que não posso determinar, chegou à parte Norte do Pinhal de Leiria já então existente e com grande parte da sua área revestida de pinheiros mansos.

Descansou um pouco em Monte Real onde os romanos já tinham estado, seguidos depois pelos mouros que tinham um dos seus arsenais em S. Pedro de Muel e, na Berlenga Grande, no seu maravilhoso palácio, um esconderijo seguro para ocultarem os furtos que então faziam na costa portuguesa, palácio já referido pelo cruzado Osberno quando veio auxiliar a tomada de Lisboa.

Monte Real, devido à proximidade do mar agradara à Rainha e, D. Denis, fez-lhe também doação do incipiente povoado e de todos os campos do Ulmar, anteriormente trabalhados pelos romanos e banhados pelo rio Lis.

Isabel viu-se de momento transformada em proprietária latifundiária, mandando edificar o seu Paço, no lugar acima referido.

Nesses tempos recuados, o tráfego desta parte da costa já se praticava, e as caravelas de 200 tonéis ou pouco menos, singravam com facilidade no mar e entravam com sagacidade nos surgidouros então existentes na costa portuguesa.

Nesses tempos distantes e felizes, os passatempos da época consistiam principalmente nas caçadas.

Os concílios, as assembleias políticas e as próprias caçadas reclamavam a presença do Soberano e davam origem à demora de viagens prolongadas pelo País.

Isabel de Aragão ficava então solitária no seu Paço de Monte Real a converter-se no anjo bom do lar português e as ausências prolongadas do marido provocavam a saudade, a dor e até o ciúme.

Toda a vida nasce do sofrimento.

Se nossas mães gemeram antes de nos lançarem no mundo, também a radícula da semente do pinheiro, antes de profundar a terra rasga o seu tegumento.

Se Portugal nasceu da Fé e da braveza da sua gente, assistiu também a muita dor e a lágrimas da moirama.

A cruz nem sempre dominou o crescente pela persuasão, o forte sempre dominou o fraco em toda a Natureza.

O sofrimento e a dor são tanta vez argamassa das almas, igualando-as, nivelando-as.

Em Monte Real, a Rainha sofria a ausência do Esposo e o povo gemia ainda sob as violências e abusos da Nobreza.

Comunhão na dor, é junção de desabafos, de esperanças, de rezas, de fé, é a vereda que o homem procura para levar a Deus.

No caminho da dor andava a Rainha e o povo, e a angústia aumentava à medida que o dia ia declinando.

O Rei que prometera estar de volta ao sol posto em Monte Real, tardava.

O astro vivificador já desaparecera no horizonte, ao crepúsculo vespertino seguira-se a noite, silêncio primeiro entre a Rainha e o Povo, um murmurejar a seguir e finalmente a resolução de ir em demanda de quem não chegava.

O povo receava algum acontecimento grave sucedido ao Rei que recebia todas as suas queixas e as julgava com rectidão e a Rainha temia no seu íntimo, que os braços roliços de alguma amante segurassem o seu noivo.

A caravana seguiu levando à frente Isabel de Aragão transportando uma lanterna. O Pinhal foi palmilhado e, quando chegavam ao extremo nascente do maciço arbóreo, sentiram ruídos de passos. Alguém vinham em sentido oposto. Isabel de Aragão ergueu a lanterna e ao reconhecer o Esposo, não se conteve e indagou:

– Vens de amar?

O Rei deslumbrado pela luz, tropeçara no cepo de um velho pinheiro, caira e ao erguer-se, dissera:

– Cego me vi.

Esta é a génese do nome do povoado da freguesia de Monte Real denominada Segodim. Narrativa que me contaram quando em 1923 visitei a parte Norte do Pinhal de Leiria; facto verdadeiro ou apenas lenda, o que é certo é que se a árvore secular nos pode revelar muito segredo da vida dos nossos maiores, o maciço arbóreo renovando-se constantemente, podia dizer-me muita coisa do caminhar incipiente de Portugal. Foi esta a primeira surpresa que tive no Pinhal de Leiria.

Verificava a seguir que se o pinhal tinha tido o seu primeiro trovador em D. Denis que cantara as flores do pinheiro florido

Ay frols, ay frols do verde pino
se saberdes novas do meu amigo!
Ay Deus, e u é?

vim a conhecer outro trovador e Poeta, em S. Pedro de Muel – Afonso Lopes Vieira – poeta místico e nacionalista que cantara igualmente as belezas do Pinhal de Leiria, dizendo:

 Catedral verde e sussurrante, aonde
A luz se ameiga e se esconde
E aonde ecoando a cantar
Se alonga e se prolonga a longa voz do mar,
Ditoso o lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim;
Ditoso o Poeta que lançou ao vento
Esta canção sem fim…………
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
etc.

Se tivesse a dicção do Dr. Artur Lobo de Campos, atrevia-me a dizer a Vossas Excelências toda a poesia que o Poeta intitulou “Pinhal do Rei”.

O Pinhal de Leiria tem uma área total de 11.463 hectares e Bernardino de Barros Gomes para poder localizar com segurança o sítio do Pinhal onde viesse a lavrar qualquer incêndio, fez o levantamento da planta da Mata, estabeleceu umas faixas de 10 metros de largura, limpas de material lenhoso no sentido nascente-poente, denominadas aceiros e arranjou outras faixas perpendiculares a estas, mais estreitas, no sentido norte-sul indicadas por arrifes.

Desta forma, toda a mata foi repartida em rectângulos devidamente numerados, de um a trezentos e quarenta e dois.

A seguir, e aproveitando os pontos mais altos da floresta, estabeleceu torres que se avistam umas às outras e que são quatro verdadeiros olhos da mata, cada um dos quais podendo vigiar uma área aproximada de 3.000 hectares.

Na quadra do ano mais quente e a mais perigosa para os pinhais, porque todo o material lenhoso é fàcilmente inflamável, estas torres são guarnecidas por jornaleiros, que apenas avistam qualquer fumo e servindo-se de óculos de grande alcance que giram sobre um círculo graduado, dão pelo telefone para a Repartição Central o número de graus onde avistam o fumo, e, na repartição onde existe a planta devidamente orientada, basta a visada de duas torres, para se ficar sabendo o número do talhão onde lavra o incêndio.

Ora foi no primeiro fogo que tive no pinhal, que encontrei e conheci o Poeta Afonso Lopes Vieira que, na ocasião, com uma bengala na mão, no alto da Ponte Nova, talhão nº 246, procurava ajudar a extinguir o incêndio, afastando a manta morta que ali existia em demasia e que deitaria por terra as “naves da catedral verde e sussurrante”.

Duas surpresas momentâneas tive nessa ocasião, ou sejam o fogo no pinhal e o conhecimento com o Poeta, que me havia de instigar e encorajar na descoberta dos segredos do pinhal.

Decorrido tempo, e tendo a meu cargo a sementeira das areias ao Sul do Pinhal de Leiria, fui encontrar em Nossa Senhora da Vitória, na escarpa da costa, os alicerces duma antiga povoação denominada Paredes, fundada por D. Dinis, porque o documento existente na Torre do Tombo reza assim: “Dom Denis pela graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve. A todolos quantos esta carta vyrem aos ffaço a ssaber que eu faço carta de foro aos meus pobradores assy aos presentes come aos que amde vyr da minha pobra das paredes que é em termho de Leyrea com seos termhos assy como parte pelo couto de Alcobaça … … … E por tal que morem e pobrem no dito logar das paredes dou aos ditos trinta homens e a todos os seus sucessores e no meu regalendo de Ulmar a cada hum deles per todo o sempre tanta herdade que leve sex quarteiros em semeadura e eles dem a mim e a todos meos sucessores a quarta parte de todo froyto hy der em salvo. E dou lhys esse rreguengo a cada hum em que semeem tres alqueires de liança pera as redes e linas e nom mi dem foro dessa linhaça … .. …

Ora se em nossos dias parecem ter terminado as dissenções políticas que mantínhamos há tantos anos, por me parecer que nos dias que correm existem mais abelhas obreiras do que zangãos no cortiço português, também em 1279 quando D. Dinis foi chamado a governar, Portugal já era um reino, todos falavam a mesma língua, todos professavam a mesma religião e tocava a finados o período da barbaria.

Então, as mãos possantes que até ali tinham brandido a espada puderam, em sus substituição empunhar a rabiça do arado, manejar a enxada, falquejar o madeiro ou construir a embarcação.

Com trabalho produtivo, tomou desenvolvimento a agricultura, o comércio e a indústria.

D. Dinis, monarca de espírito fortalecido, enérgico e com visão, havia de vencer todos os obstáculos que se lhe deparavam, todas as intrigas que à sua volta se teciam, havia de prestigiar o trabalho.

É que tanto no passado como no presente, o problema é sempre o mesmo, o trabalho deve ser predicado inseparável do homem.

D. Dinis tornou livre a alienação de bens mal adquiridos. As reclamações do povo foram, em grande parte, atendidas, administrou-se justiça.

Da terra lusa e do mar, brotou riqueza que era necessário levar aos países do Norte.

E foi ela que Maiz em “Memórias Económicas” e referindo-se ao tempo de D. Fernando I, escreveu: “E não pareça novidade extranha porque havia então em Portugal tão grande contratação de vinho, azeite, cortiça, sal, e frutas secas do Algarve, que somente na barra de Lisboa acontecia algumas vezes no ano, acharem-se quatrocentos e quinhentos navios de carregação juntos, de que El-rei tinha grandes direitos: e estas carregações se faziam cada ano trez e quatro vezes”..

Na costa portuguesa encontravam-se naquele tempo inúmeras chanfraduras, os rios eram em grande parte navegáveis, as caravelas tinham pouco calado, as estradas não existiam: a Este e Norte tinha Portugal uma barreira inexpugnável – a Espanha.

O futuro, a expansão do País, só se poderia fazer lançando-nos no mar.

D. Dinis foi o percursos dos descobrimentos que tanta glória nos deram – os primeiros mareantes que foram à Índia devem ter andado nas rotas do Levante e do Norte da Europa – o Pinhal de Leiria foi a génese dos nossos descobrimentos.

Ávido por mais surpresas, andei durante muito tempo inrigado com o documento de D. Fernando de que fala “O Arqueólogo Português, tomo 25º. págs. 208” que isentava os pescadores da Pederneira “por corpos e por áduas” porque “serviam em cada um dia nas nossas armadas e no nosso baleal da Atouguia e outrosy em carretar a nossa madeira que vem do nosso pinhal de Leiria polla agoa ao travez“.

Ora o Pinhal de Leiria não tem nenhuma lagoa e o caudal do pequeno ribeiro de Muel ainda que se possa considerar constante, é de pequena monta.

Como é pois que os trabalhos dos pescadores da Pederneira tinham tal valia que D. Fernando os isentava do imposto que deverá corresponder ao denominado braçal de nossos dias?!

Vim encontrar a justificação da prerrogativa quando, ao fazer o estudo do caminho que margina o ribeiro de Muel, encontrei junto à sua foz as ruínas de uma barragem, que na base media aproximadamente 1,80 e que tinha transformado o pequeno ribeiro de Muel numa lagoa comprida, numa albufeira por onde os pescadores da Pederneira traziam os madeiros até à foz do ribeiro e fabricavam na Praia Velha as caravelas.

O Pinhal de Leiria que nasceu do mar, para o mar nos levaria quebrando lenda do Mar Tenebroso, fazendo-nos antes acreditar que o mar seria estrada líquida imensa, unindo os povos em interesses coordenados e lucrativos.

D. Dinis, não foi apenas o rei lavrador como a história o cognominou, foi igualmente pescador, chegando à minúcia de não deixar no olvido a cultura do linho pois bem sabia a variedade de cordoalha, linhas e velame que era necessário às embarcações e à pesca.

Se D. Dinis fundou a nossa primeira Universidade, lançou igualmente a semente para a criação das escolas de mareantes em toda a costa portuguesa. Emprestou dinheiro para a construção de “almadravas” destinadas à pesca do atum, mandou vir de génova um nauta experimentado – Micer Manoel Peçanha – trabalhou continuadamente a terra e o mar, movimentou a riqueza para o Norte da Europa e para o Levante, e assim contribuiu poderosamente para que mais tarde, pudéssemos dar novos mundos ao mundo.

D. Dinis, fez mais que “produzir e poupar”, o seu lema parece ter sido “produzir e distribuir” procurou levar a toda a parte o excedente da riqueza do País, movimentando-a no interior por meio de feiras francas e no exterior com as suas caravelas e pôde em 1294 fazer o tratado de comércio com a Inglaterra, tornando Portugal e este País nos mais antigos aliados do mundo.

A este propósito, uma surpresa para V. Exas.

Em Julho de 1947, e vindo na companhia do Professor Branquinho de Oliveira, visitou o Pinhal de Leiria o Professor de língua espanhola da Universidade de Cambridge Jonh Brande Frend, que tinha vontade de escrever um livro sobre navegações, e achava que a melhor forma de o vir a publicar com verdade, consistia em conhecer de visu o berço dos nossos mareantes.

O Professor Frend numa exposição de livros aparecidos depois da guerra em Inglaterra viu o meu trabalho “O Pinhal do Rei” e, ou por este facto, ou por ser já do seu conhecimento o que diziam vários escritores que se referiram às navegações dos portugueses, quis conhecer os próprios locais das narrativas.

Dentre desses escritores citarei Elisée Reclus “ao navegador português Magalhães devemos a linha fundamental o equador dos itinerários que em seu conjunto liga todos os traços geográficos, graças a êle, a terra constitui-se cientificamente e a unidade realizou-se tanto na historia dos homens como na estrutura geral das formas terrestres”.

Cunningham – “Os povos da Europa Ocidental lograram assegurar o acesso directo ao Oriente, graças aos esforços persistentes dos portugueses, o que , aliaz, uma pequena parte do que lhes devemos. A sua indomável energia e heróicos sacrifícios, venceram dificuldades extraordinárias e permitiram que os mercadores europeus se estabelecessem nas Índias e abrissem comunicações comerciais com as regiões que até então lhes haviam sido inacessíveis… é maravilhoso que uma nação de trez milhões e um exercito de quarenta mil homens tenha podido obter uma supremacia sobre todo o  Oceano e estabelecer-se ainda na África e no Brasil………”

L. Gallois – “Conclue-se à evidencia que foi em Portugal que pela primeira vez se praticaram no Ocidente os processos de direcção do navio, pela observação dos astros, sem os quais fora impossível empreender tão arriscadas expedições”.

Por estes motivos, o referido inglês quis conhecer o pinhal, o surgidouro de D. Dinis e saber a significação de um aceiro, arrife e principalmente o que vinha a ser uma “arregaçada de penisco” com a qual eu dizia ter sido semeado o Pinhal de Leiria.

A deambular sob o arvoredo, o interrogatório que me fazia era constante.

Porque motivo, alguns historiadores atribuiam a sementeira do pinhal a D. Sancho ou a D. Dinis?

Sem sementes, sem gente, sem ainda conhecerem nem terem necessidade da fixação das areias, como poderiam aqueles reis efectuar a sementeira de todo o pinhal? Como se poderiam manter na costa os mouros sem que já existisse na mesma o material lenhoso para repararam as embarcações?

Que o arvoredo resinoso já deveria existir junto à costa até quando por cá andaram os fenícios séculos antes, não me restava a menor dúvida porque, tal como aconteceu aos mouros, necessitavam das árvores para os remos, mastros, etc.

Seis quilómetros ao sul do Pinhal de Leiria existem sedimentos betuminosos, e estes materiais não poderiam aparecer se em séculos recuados a convulsão geológica porque passou a terra nºão tivesse encontrado arvoredo a soterrar.

Mas, não me foi preciso ir tão longe.

Na carta de doação passada por D. Afonso Henriques ao mosteiro não se faz referência ao Pinhal de Leiria mas sim à Mata de Pataias.

Afinal, o Pinhal de Leiria de nossos dias não existia com o nome porque hoje o designamos nem o Rei podia ter estabelecido como demarcação uma mata inexistente com o nome indicado.

Para a génese da toponímia de Pataias é que não encontrava qualquer explicação e o pouco que sei é posterior a D. Afonso Henriques que designou o Pinhal de Leiria por Mata de Pataias. Porquê?

O povo diz: quando passou a comitiva real pelo lugar referido deve-se ter partido qualquer varal da liteira onde iam as aias tendo dito o nosso primeiro Rei: “e agora à pata, aias”.

Outros dizem que os frades recolhiam as dízimas do convento em grandes tulhas existentes na povoação, denominadas pataias e quando  alguém tinha de ir em demanda do milho ou trigo para o fabrico do pão, teriam de ir buscá-lo às pataias.

Ainda hoje, muito pão que aparece no mercado da Marinha Grande é proveniente de Pataias.

O que é facto, é que a região de Pataias constitui a maior freguesia do concelho de Alcobaça, mas sem possuir qualquer obra antiga que a notabilize.

Apenas, desde tempos imemoriais se dedica esta povoação ao fabrico da cal.

A poente de Pataias fica a Nazaré e as lendas subsistem, entre as quais a do irmão bastardo do nosso primeiro rei – D. Fuas Roupinho – etc.

Será Pataias um termo mourisco?

Para mim considerava interessante saber-se por ser o primeiro nome porque foi conhecida a maior mata do País.

O meu cérebro porém, continuava em interrogações. Mediando apenas 42 anos do reinado de D. Dinis do de D. Fernando I, como é que a sementeira do areal podia ter tomado tal desenvolvimento e ter já a importância apontada no documento de D. Fernando?

Um rifão popular, diz: “Voz do povo, voz de Deus” e ainda que não seja nada atreito a crendices de qualquer natureza, passei a acreditar na lenda o facto verdadeiro que ainda subsiste na região e que atribui à Rainha Santa a sementeira do pinhal “com uma arregaçada de penisco”.

O pinhal que veio até nossos dias com a designação de Pinhal de Leiria, devia outrora ser constituído por uma única essência resinosa – o pinheiro manso – pois na pouca lenhite existente no pinhal e que me foi dado examinar, só vi, a casca do pinheiro manso, o lenho do medronheiro e do aderno, arbustos expontâneos do pinhal.

Os factos devem-se ter passado assim: D. Dinis, em 1300, faz doação de Leiria e seus termos a sua mulher. A Rainha Santa, feita proprietária de Leiria e seus termos, passa a residir com certa permanência em Leiria, e, como o seu reguengo do Ulmar ainda dista aproximadamente 4 léguas desta cidade e a caminhada é penosa, manda fazer em Monte Real, no alto do monte que domina os campos do Ulmar e o Pinhal do Rei e donde se goza um dos mais belos panoramas do distrito de Leiria, uns modestos Paços onde se possa acomodar com a sua comitiva para vigiar os trabalhos dos campos e receber as rendas.

Bondosa em extremo, amiga dos pobres, a todos atenderia, ouvindo os seus queixumes e procurando na prática do bem, minorar muita dor.

A lenda tecida pelo povo da transformação dos pães em rosas, deixa ver o coração de ouro da excelsa Rainha.

Uma embarcação portuguesa, vinda do Golfo da Gasconha, teria metido como combustível as pinhas, as braças e o lenho de alguns pinheiros bravos autoctones dessa região. As pinhas ter-se-iam aberto com o calor e os mareantes, habituados a comer os pinhões do nosso pinheiro manso, teriam estranhado a semente muito mais pequena e com uma amêndoa insignificante para servir de alimento ao homem. Uma vez entrados no surgidouro das Paredes ou no rio Lis, contaram o sucedido à Rainha, mostraram-lhe as sementes e disseram-lhe que os pinheiros em França vegetavam igualmente em terrenos arenoso e se desenvolviam bem.

Foi então deliberado lançar a semente à terra e a Rainha, teria sido quem transportou no seu avental a “arregaçada de penisco” até qualquer clareira existente no pinhal. Passaram-se meses, a sementeira vingou mostrando-se linda e prometedora e, quando D. Dinis voltou a aparecer em Monte Real foi-lhe a própria Rainha mostrar não só os trabalhos levados a cabo no reguengo que lhe tinha sido dado como igualmente a sementeira que no pinhal tinha feito por suas mãos. D. Dinis, entusiasmado com o lindo desenvolvimento do nascedio e desejoso de vir a ter em abundância material lenhoso para a construção naval, terá dito aos mareantes que para a outra viagem lhe trouxessem mais semente, Vindo então penisco e não pinhão, foi lançado noutras clareiras e o povo sempre cheio de curiosidade e de amor à terra, passou a ir ver o “pinhal do rei” e o desenvolvimento que ia tomando.

Depois, a semente alada, transportada pelo vento e levada pelo homem foi-se espalhando por toda a costa portuguesa a Norte do Tejo, penetrou nas Beiras e deu-se tão bem em Portugal que os botânicos consideraram indígena o pinheiro bravo, quando me parece ter sido a primeira essência exótica introduzida no País.

Esse pinheiro manso, de copa mais frondosa, mais bracejador, dando do seu corpo a quilha, as curvas, enfim, todas as peças para o liame e tabuado das embarcações de D. Dinis, foi sendo escorraçado a pouco e pouco do Pinhal de Leiria.

Hoje, só a lenhite e as pequenas manchas existentes nos talhões 297-298 e 311 poderão atestar aos vindouros que o Pinus pinea também teve o seu habitat no solar ocupado hoje pelo Pinus pinaster e, são estes pinheiros que aparecem e nossos dias junto à costa, achaparrados e tortuosos como sendo os guardas avançados do exército arbóreo português e que o silvicultor metalúrgico Bonifácio de Andrade e Silva empregou para a fixação das areias em Lavos e o falecido Regente Florestal Alberto Rei quando pontificou nos areais de Lavos e da Figueira e os arborizou, me ter dito que quando dessas sementeiras, ainda encontrou cepos de velhos pinheiros mansos.

A hipótese da existência do Pinhal de Leiria revestido apenas de pinheiro manso e anterior a D, Dinis, já foi apresentada por mim ao saudoso Professor de botânica D. António Xavier Pereira Coutinho e ao falecido inspector das Landes e Gasconha, Pierre Buffault que a propósito da existência do pinheiro bravo nas Landes, escreveu:

“Le pin y est autochtone, y existe depuis des miller d’annés.

Il formait, dans la lande depuis et bien avant l’assainissement et le boisement de celle-si consecutifs à la loi de 1897, des massifs et des boqueteaux que l’home n’avait pas crées”.

As afirmações que fez a propósito do pinheiro bravo seriam idênticas às que nós teríamos de formular a propósito do pinheiro manso, porque, Leiria, povoado ou o próprio castelo é que não existiam no tempo anterior ao nosso primeiro Rei. É o próprio D. Afonso Henriques que o afirma, dizendo: “Eu Affonso, Rei dos portugueses, filho do Conde D. Henrique e da Tainha Thereza, e neto do grande Rei de Hespanha, Affonso, para conseguir a remissão dos meus pecados, e dos meus parentes faço esta  firme carta de testamento, pela qual deixo ao mosteiro de Santa Cruz, sito nos arrabaldes de Coimbra, todo o eclesiástico do castelo que chamam de Leiria, o qual castelo eu primeiro levantei desde os alicerces em terra despovoada: e tendo-o por  nossos pecados, os sarracenos destruído, o edifiquei segunda vez………”.

Na carta de doação passada por D. Afonso Henriques ao mosteiro de Alcobaça e que tirei do livro “O Mosteiro de Alcobaça” de M. Vieira Natividade, diz-se: “Em nome de nosso senhoore Jesus Christo, Amê. Por sêr cousa decête cada um dos fieis fazer os servos de Deus participantes dos bens que lhe são dados pello soberano Criador, etc …… fazemos testamento & encouto a vós D. Bernardo Abbade do mosteiro de Claraval & a vossos irmãos…… de hua nossa propria erdade que temos entre aqueles dous lugares, chamados Leiria & Obidos…… Damo-vos tâbem o lugar que chamã Alcobaça…… pollos limites abaixo declarados…… e passa por Melvua, atee a mata de Pataias, donde corte direito por entre a Pederneira & Muel até chegar ao mar, etc.

Fez-se a presête carta na era de Cesar de 1191, que he no ano de Christo de 1151 aos 8 d’abril.

Se os cronistas dos nosso primeiros reis, foram os frades, as criaturas que até então saberiam lêr e escrever, o que é certo, é que em qualquer dos documentos se fala na Mata de Pataias e se acredite que os mourros já tenham construído o castelo de Leiria e creia ainda, que as narrações de então possam oferecer controvérsia, o que é um facto, é verificar-se a existência duma mata já célebre na época e que seria constituída por uma única essência – o pinheiro manso.

Evidentemente, não posso basear as minhas afirmações no estudo das épocas geológicas; apenas poderei lembrar o facto de se fazer um estudo rigoroso da lenhite existente no Pinhal de Leiria porque se é um carvão fóssil conserva as formas dos caules e ramos das árvores e o seu estudo microscópico revelaria à evidência a essência donde proveio, sendo certo que a área geográfica do pinheiro manso não ficou circunscrita apenas ao Pinhal de Leiria mas se estende pelo Mediterrâneo.

Estes documentos do tempo de D. Afonso Henriques acabaram por fazer inteira luz no meu espírito, e, tal como aconteceu a Arquimedes, pude gritar ìntimamente: Eureka! Eureka! ao sair do meu banho de interrogações.

Não me resta dúvida pois, que na distribuição inicial das cento e tantas espécies de pinheiros espalhados pelo mundo, coube à França o pinheiro bravo e a Portugal o pinheiro manso.

Alguns botânicos defendem a existência de duas espécies indígenas de pinheiro bravo em Portugal, pois o exame microscópico das folhas revela a existência de dois ou mais canais resiníferos na base destas folhas, tendo sido designada como Atlântica, a espécie que representa dois canais resíniferos e como Mediterrânica aquela onde se encontram maior número desses canais.

Ainda que essa diferença anatómica se mantenha, e mesmo que uma das espécies vá para a área geográfica da outra, sofrendo as modificações resultantes do meio, continuo na convicção de que no tempo do Rei Dinis só existia entre nós o pinheiro manso.

O pinheiro bravo que hoje revestirá um milhão e duzentos mil hectares ou mesmo um milhão e trezentos mil de solo pátrio, será oriundo do Golfo da Gasconha, trazidas as suas sementes pelos mareantes do Rei Lavrador e Pescador.

O Pinheiro Bravo é uma essência frugal vivendo nas areias e nas serras até altitude de 600 metros. Comparo-o ao viver do nosso trabalhador rural, de alimentação simples.

O bendito Pinheiro Bravo, é o pioneiro da arborização dos nosso dias que vai à frente revestir terrenos degredados com o fim de os vir a melhorar por forma que outras futuras essência aí possam vir a viver.

A Rainha Santa, lançando as sementes do Pinheiro Bravo nas clareiras então existentes no Pinhal de Leiria, fez que as mesmas se viessem a espalhar por todo o Portugal.

Todos os benefícios que hoje usufruímos do pinheiro bravo, devem-se sem dúvida às mãos miraculosas da Rainda Santa que afinal lançou o pão das rosas por todo o País.

O Governo, determinando em nossos dias a arborização das nossas areias e serras, virá, em futuro não muito longínquo, ver os seus governados gozarem os benefícios que hoje os habitantes que vivem nas redondezas do Pinhal de Leiria, disfrutam, isto é, Portugal virão a ter uma manta protectora contra as ventanias, uma muralha verde a conter a impetuosidade e a diminuir a velocidade das chuvas, a reparti-la pela copa, raminhos, ramos e pernadas, fazendo com que a mesma desça mais vagarosamente sobre a manta arbustiva, se venha a infiltrar na manta morta, que figurará como verdadeira esponja, e, com a lentidão do tempo, penetre no solo e sub-solo do País, vindo a tornar constante a bica da fonte, o caudal do rio, não sendo de presumir que venha a escassear a água, o elemento imprescindível à agricultura, às nossas planícies, às nossas hortas e quinteiros, que não venha finalmente a faltar a lenha na lareira do lavrador e do pescador e o mato para afolar e fertilizar a nossa terra.

Ora, o maior monumento de Portugal que a si mesmo se renova e alinda, ainda é desconhecido dos portugueses que, se conhecem Fátima desconhecem o Pinhal de Leiria, esquecendo-se que nesta Mata viveu a Rainha Santa e que a referida mata deu nome glorioso a Portugal.

Este facto, confessou-o pùblicamente o escritor Dr. Sousa Costa que no jornal O Primeiro de Janeiro de 24/9/1940 escreveu:

«Juro à fé de quem sou: – ao penetrar na órbita desse mundo vegetal, senti no rosto a ferroada da vergonha. Foi preciso chegar a avô de Portugal e Colónias, ser forçado a levar os netos a ares do mar, à praia-presépio, a S. Pedro de Moel, para descobrir, como se fosse novo este mundo velho e tão grande! Não há direito. E castigado pela vergonha, senti que devia ser obrigatória, como a frequência da escola primária, a visita escolar à Douta Universidade, o laboratório dos lenhos que nos permitiriam igualar o sol, a terra volvida em satélite da coroa lusa.»

Abusaria de V. Ex.as, da paciência com que me escutam se ainda pretendesse desfiar o rosário de todos os bens materiais que encontrei no Pinhal de Leiria.

Se Portugal nasceu no Norte onde teve o seu berço, veio ter o leito quando passou a adolescente, no Distrito de Leiria e cá ficaram como se fora verdadeiro museu a maior parte dos seus monumentos que vão desde a gruta que Manuel Vieira Natividade encontrou nas serras que circundam Alcobaça ao Mosteiro da Batalha. Ainda direi que quando se descobriu o caminho marítimo para a Índia, recrudescer a actividade da construção naval e para que as naus fossem fortes e duradouras o próprio D. Manuel I pede alguma madeira aos frades de Claraval, «madeira que haveremos mester para liame como tavoado e pera outra obra» e que os frades possuiam nas suas mata do Vimeiro, constituídas por sobreiros e carvalhos e que hoje estão na posse dos Serviços Florestais.

Alguém pensou transformar o Pinhal de Leiria num verdadeiro arsenal da nossa armada, não se esquecendo de introduzir alguns exemplares do carvalho comum no local denominado Valdimeira (Talhão 261 do Pinhal de Leiria).

Os Filipes desejaram levar a área do pinhal até à Nazaré.

No período Pombalino, deu-se o aproveitamento do material lenhoso como combustível a fundir a areia para o fabrico do vidro.

Em 1850 apareceu a chapa de ferro já aplicada na construção naval e, o aparecimento da construção civil, exigindo vigas compridas contribuiu para que se viesse a dar a preferência ao pinheiro bravo.

O abençoado pinheiro manso, pinheiro-umbela, deveria pelo menos orlar a grande maioria das estradas do distrito de Leiria. Mas não foram apenas os bens materiais que encontrei na Mata. Existiram igualmente os bens morais e o desejo de que todo o servidor da floresta fosse cumpridor honesto dos seus deveres e viesse a ter a sua reforma.

As ordenações de El-rei D. Manuel I assim o demonstram, pois dizem: «De como o El-rei somente pertence aposentar alguém que haver idade de setenta anos». Depois o Regimento do Guarda-Mor do Pinhal de Leiria vai ao ponto de determinar que qualquer superior não exorbite das funções do seu cargo e vejam V. Ex.as por exemplo, o referido Regimento relativamente a moço do Engenho, isto é, a alguém que viveu no recinto onde resido, que é murado e onde funcionou o engenho de serrar madeiras destinadas à Ribeira das Naus e que devia «trabalhar não só de dia, mas também de noite, quando fizer vento certo e não houver tormenta».

Como então havia pessoal diverso a residir no recinto do Engenho, previu-se o trabalho que competiria executar ao referido moço, dizendo-se: «o moço do engenho, e ao superintendente recomendo prove este ofício em pessoa de verdade e inteligência que não seja criado de nenhum dos oficiais, nem sirva ou lhe faça recados, que respeitem as suas conveniências».

No período do absolutismo em Portugal já se pensada na orfandade, na viuvez e nas incapacidades físicas, isto é, no problema da assistência social de nossos dias.

Ouçam V. Ex.as o artigo n.º treze do Regulamento publicado em 1824: «Quando algum empregado da Administração Geral, oficial, trabalhador e carreiro ou outra qualquer pessoas aí matriculada, que por muitos anos se tiver empregado no serviço dela, em razão do mesmo serviço venha a ficar impossibilitado ou venha a falecer deixando mulher e filhos ao desamparo, dará conta notando especificamente regularidade do seu serviço e circunstância em que se acha, ou a sua família, a fim de Sua Majestade usar com ele o que é próprio da sua Munificência, e indefectível justiça».

A consideração benéfica dos que se impossibilitam estando ao serviço das Matas ainda hoje é uma utopia e a sua realização além de ser justa e humana poderia ser exequível.

Hoje em nossos dias já existem as Casas dos Pescadores e porque motivo ainda não é uma realidade a Cabana do Madeiro? Pergunta que faço a mim mesmo porque sei que as árvores podiam garantir aos velhos jornaleiros das Matas, o pão e o calor dos seus últimos dias de vida.

Em 1935 ainda trabalhava no Parque do Engenho o velho Sanches com a idade de 94 anos! Mas outros Sanches ainda existem e outros irão aparecendo porque o tempo se encarrega de fazer dos novos de hoje os velhos de amanhã.

É dos problemas graves que tenho encontrado, que mais me confrangem, suja solução seria fácil, humana e justa.

Vejamos: das matas, não pode sair nenhum produto sem estar devidamente pago. Os seu pagamento é feito por meio de guias que são satisfeitas nos cofres do Estado.

Ainda outro dia assisti a uma arrematação de sobreiros provenientes do desbaste a praticar numas das matas que foi pertença dos frades de Alcobaça.

Tive propostas de oferta de 15 contos e as árvores vieram a tingir o preço de 65!

Que inconveniente haveria para o proponente se, sobre aquela importância, incidisse uma percentagem de 2% a reverter para a Cabana Florestal que se viesse a criar?

A maior parte do fundo de maneio com que se governa Portugal é proveniente de produtos da floresta ou de vegetais lenhosos.

Só a exportação de cortiça, que já D. Denis praticava, é hoje avaliada em 260 mil contos e a exportação de resinas e de aguarrás atinge a cifra de 130.000 contos.

Creio bem que a Cabana Florestal poderia vir a abrigar todo o mateiro que trabalha na mesma, desde o Minho ao Algarve.

Hoje em dia, cuida-se por toda a parte do arranjo e melhoria das habitações, da salubridade dos povoados, sendo raro a que não trata das canalizações para condução de águas e manilhas para condução de esgotos, no arranjo e alargamento das estradas e, no Distrito de Leiria procede-se à construção da barragem do rio Zézere, em Castelo de Bode, que virá certamente trazer energia eléctrica barata e creio que em quantidade, a todo o Distrito, vindo certamente o motor eléctrico a substituir o boi ou o burro na movimentação da nora mourisca com vantagem certa para a cultura agrícola.

Seria também ocasião de se pensar a valer num surgidouro a construir na Nazaré e que, tal como no tempo de D. Dinis, podesse vir a ser transformado num verdadeiro porto por onde podessem ser escoados produtos florestais, agrícolas, haliêuticos, industriais e minerais e podesse dar melhor segurança à flotilha piscatória existente na Praia, e que, tal como refere o poeta Santos Graça:

A vida do marinheiro
É uma vida triste e dura,
Pois toda a vida trabalha
Em cima da sepultura.

Como coroamento do ressurgimento que se vai efectuando por todo o País e para liquidação da dívida ainda em aberto da gratidão que contraímos para com a memória de D. Denis e da Rainha Santa e porque, se os melhoramentos de toda a espécie levados a efeito em nossos dias se podem ver com os olhos do corpo muitos dos melhoramentos que se fizeram no passado só se poderão descobrir com os olhos da alma, a erecção do monumento deveria hoje ser um facto e mesmo porque já abalaram para sempre nacionalistas de têmpera de Afonso Lopes Vieira, do pintor Sousa Lopes, do diplomata Alberto de Oliveira e do ministro Duarte Pacheco, restando apenas hoje em dia o pinto Alberto Nery Capucho que desenhou o monumento exedra, e o escultor Luís Fernandes que esboçou a «maquette», hoje em meu poder, e ainda vive este apagado Pinto quem não pensava que o seu piar se perderia na imensidade do pinhal de Leiria. Teve o cuidado de lançar os seus pior em «O Pinhal do Rei» e por ainda os poder reproduzir a V. Ex.as porque ficaram impressos, atrevo-me, abusando certamente da paciência com que me escutam, reproduzir aqui algumas das considerações que então me vieram à mente. Dizia eu:

«Que o Pinhal de Leiria seja detentor do monumento que, por honra nacional, se tem de erguer em dia próximo, numa das suas mais elevadas crastas, ao Rei Denis e Rainha Isabel de Aragão, tão injustamente esquecidos.

O monumento seria construído em pedra lioz vinda de Leiria, os seus alicerces perfuraria, o areal como as raízes do arvoredo, teria como fundo velhos pinheiros, e dos seus bancos avistar-se-ia o mar.

Os baixos-relevos dos painéis laterais representariam os Monarcas dos século XIV, com as armas de Portugal e Aragão na sua parte inferior.

No retábulo central, seria esculpida a terra agricultada, as Dunas, o Pinhal, o Mar e as Caravelas.

A 31 de Maio de 1939, noticiaram os jornais «a realização de uma importante reunião de representantes dos organismos económicos nacionais, na sede da Comissão Executiva dos Centenários, a fim de trocarem impressões acerca da iniciativa da Universidade Técnica, no sentido de se prestar, com a participação dos referidos organismos, justo preito à memória do Rei D. Dinis, grande propulsor das actividades económicas portuguesas.»

Creio que se pensou erigir o monumento na Tapada da Ajuda, naturalmente por lá existir o Instituto Superior de Agronomia, mas esse local, que eu saiba, não tem qualquer ligação histórica com o rei em questão.

Se D. Denis nasceu em Lisboa em 9 de Outubro de 1261, se percorreu todo o Portugal, viveu grande parte da sua vida com a Rainha Santa no Castelo de Leiria e em Monte Real, palmilhou o Pinhal de Leiria, examinou a foz do Rio Liz, assistiu certamente aos trabalhos preliminares de enxugo dos férteis campos do Ulmar, viu lançar alguma caravela na foz do Ribeiro de Moel e no surgidouro das Paredes, associou-se a pescadores na construção das almadravas, iniciou a construção de embarcações de maior calado capazes de levarem à França, Inglaterra, Países Baixos, Germânia e Itália os frutos em excesso na terra portuguesa.

Não encontro melhor local para enquadrar no País o referido monumento que não seja o chão do Pinhal de Leiria.

Se um dia se fizesse uma peregrinação ao referido monumento, os peregrinos umas sentados na exedra e absorvendo o ar balsâmico da floresta, aspirando a brisa marítima, olhando o pinhal e o mar e uma vez concentrados, mesmo com os olhos cerrados, poderia, ver na superfície branca do passado, distante de nós sete séculos, a figura dum homem baixo, atarracado, forte, cabeleira e barba ruivas abundantes, ao lado de uma mulher alta, elegante, formosa e de expressão bondosa, apostados em fazer brotar da terra portuguesa o trabalho fecundo, a dar consciência, a civilizar por todas as formas, o rectângulo da Península Ibérica que os seus maiores lhe tinham legado, que formava um todo uno que se chamava Portugal.

O monumento sonhado avultaria no Pinhal de Leiria, o tempo havia de o alourar, brilhando entre o verde pino como explende no alto de algumas serras a ermida edificada com fé.

Tornava-se belo porque era do agrado do nosso espírito, porque em orquestração de ritmos cantantes, filhos do rumorejar do arvoredo, do murmúrio do mar e do nosso sentir, perpetuaria por todo o sempre aos presentes e aos vindouros o testemunho da nossa gratidão.

O monumento seria estandarte e provisão de confortos morais para os momentos das nossas crises, era glorificação aos reis precursores dos caminhos marítimos e dos espaços vitais, sagraria o trabalho da terra e do mar, únicas fontes do mundo, criadoras da paz.

Sinto pois, que na solidão do Pinhal de Leiria, junto do monumento e em recolhimento, poderíamos ver mais conscientemente o Passado – A caravela vindo do golfo da Gasconha entrar na foz do rio Liz e um mareante correr pressuroso a Monte Real a mostrar a semente do pinheiro bravo à Rainha Santa e Santa Isabel a lançar o penisco no areal e criar a riqueza proveniente do pinheiro bravo, que existe hoje em todo o País.

Ao abalar para o Além, estimaria dizer ao espírito de todos os grandes nacionalistas que apontei:

– Portugal tendo saldado todas as suas dívidas materiais liquidou igualmente as suas dívidas morais: hoje é um facto a reforma do pessoal que moureja na floresta como é uma realidade a erecção do monumento da gratidão à Rainha Santa e a D. Denis, no chão do Pinhal de Leiria, pelo qual todos vós vos interessastes.

E, dando por concluídos os meus piares, vão os meus agradecimentos a todos V. Ex.as pela bondade com que me escutaram.

Marinha Grande, Julho, 1948