Afonso Lopes Vieira (Leiria, 26 de janeiro de 1878 – Lisboa, 25 de janeiro de 1946) foi um poeta leiriense.
Apesar da sua educação e vivências cosmopolitas, Lopes Vieira nunca esqueceu a sua origem. As imagens de uma Leiria romântica mas, sobretudo, do imenso Pinhal do Rei e do vasto mar foram a sua grande paixão e marcam toda a sua obra.
A paixão do poeta pelo Pinhal do Rei seria contagiante. Arala Pinto relata, assim, o seu primeiro encontro com Afonso Lopes Vieira:
Ora foi no primeiro fogo que tive no pinhal, que encontrei e conheci o Poeta Afonso Lopes Vieira que, na ocasião, com uma bengala na mão, no alto da Ponte Nova, talhão nº 246, procurava ajudar a extinguir o incêndio, afastando a manta morta que ali existia em demasia e que deitaria por terra as “naves da catedral verde e sussurrante”.
Duas surpresas momentâneas tive nessa ocasião, ou sejam o fogo no pinhal e o conhecimento com o Poeta, que me havia de instigar e encorajar na descoberta dos segredos do pinhal.
Se é justo reconhecer Arala Pinto como um dos maiores investigadores e divulgadores do Pinhal do Rei, parece que coube a Afonso Lopes Vieira a tarefa de contagiar o engenheiro com a sua paixão pela Mata Nacional.
PINHAL DO REI
Catedral verde e sussurrante, aonde
a luz se ameiga e se esconde
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do mar:
ditoso o “Lavrador” que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim;
ditoso o Poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim…
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
rei D. Dinis, bom poeta e mau marido,
lá vem as velidas bailar e cantar.
Encantado jardim da minha infância,
aonde a minh’alma aprendeu;
a música do Longe e o ritmo da Distância
que a tua voz marítima lhe deu;
místico órgão cujo além se esfuma
no além do Oceano, e onde a maresia
ameiga e dissolve em bruma,
e em penumbra de nave, a luz do dia.
Por estes fundos claustros gemem
os ais do Velho do Restelo…
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
teus velhos troncos de saudades fremem…
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
são as caravelas, teu corpo cortado,
é lo verde pino no mar a boiar.
Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhe deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a terra e olhando os novos astros,
ó gótico Pinhal navegador,
em naus, erguida, levando
tua alma em flor na ponta alta dos mastros!…
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar!
Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
sonâmbulos de surda ansiedade,
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,
viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribada de todos os aléns
de este mundo de dor;
ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde,
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do mar.